Monday, August 28, 2006

O Sono




John acordou cedo. Muito mais cedo que o que gostaria. Ergueu-se, protegendo a vista das tiras de luz intensa que entravam pelos intervalos dos estores.

Aquela dor de cabeça era insuportável. Ergueu o tronco, pôs os pés no chão e manteve-se assim, sentado com a cabeça apoiada nas mãos, durante uns segundos. Respirou fundo e levantou-se. Caminhou até à casa de banho e confirmou no espelho que as dores que sentia, se viam por fora. Tinha profundos golpes no rosto e um hematoma feio no queixo.

Lavou a cara com água fria e olhou-se de novo no espelho enquanto fazia um esgar de dor ao tocar num dos cortes. Despiu-se, atirou a roupa para o chão e entrou na banheira.

Cerca de 45 minutos depois estava no carro a caminho daquele encontro. Às 13.25, com apenas 25 minutos de atraso, entrou no restaurante. Viu a Cristina imediatamente, sentada numa mesa na esplanada. Caminhou até ela e sentou-se.

- Desculpa, não consegui acordar a horas.
- Que te aconteceu? Meu Deus, que te aconteceu?
- Não é nada Cristina, a sério.
- Nada?! Estás todo cortado e com hematomas!
- Não foi nada!
- Estás a brincar comigo, não estás, John? ... Foste ao menos ao médico.
- Não vale a pena, isto não é nada.
- Meu Deus e que cara tu tens. Tens dormido?
- Dormi hoje um bocadinho.
- Só hoje?

John desviou o rosto de Cristina e por uns instantes olhou o rio e a vida a correr na cidade. Apenas por uns segundos esteve longe dali. Depois ergueu de novo os olhos e encarou Cristina.

- Que queres que te diga. Não posso dormir.
- Como não podes dormir? Que se passa John? Há quanto tempo não dormes? E o que te aconteceu ao rosto?
- Calma, tantas perguntas, - disse John forçando um sorriso - Podemos pedir primeiro? Não comi nada ainda.
- Ok.

Durante uns minutos ficaram em silêncio, mais envoltos num turbilhão de pensamentos que propriamente a ler a lista. Cristina, intrigada e preocupada com John e ele, pensando se contar ou evitar as perguntas.
Acabaram por pedir o prato do dia. Enquanto o empregado enchia o copo de John, Cristina fixou o seu olhar.

- Então John, vais contar-me o que se passa? Com calma e desde o início?
- Não se passa nada...
- Não John, não comeces com isso – interrompeu Cristina – passa-se qualquer coisa e aparenta ser grave.
- Cristina.... eu... eu não posso dormir. Não sei como te explicar isto.
- Mas não podes dormir como? Tens alguma coisa para fazer? Trabalhas à noite, é isso? E essas mazelas têm a ver com o que fazes, é?
- Não Cristina, não é assim tão simples... Tenho medo de dormir.
- Desculpa?
- Tenho um sonho, ou melhor, um pesadelo, que se repete sempre que fecho os olhos. É impossível escapar-lhe. E... e geralmente acordo magoado do pesadelo.
- Oh John, mas ...
- Espera, não é tudo. Hoje dormi, estava há 5 noites sem dormir e não aguentei. O resultado podes ver no meu rosto.

Cristina fitou os olhos de John por uns momentos, incrédula. Passou-lhe pela cabeça que ele estivesse louco, que não estivesse em si. No entanto, as olheiras, o ar cansado e aquelas marcas no rosto...

- Não estou louco, Cristina, embora vá ficar muito brevemente se não resolver isto.
- Mas, que sonho é esse?
- São os meus monstros todos, Cristina, esperam por mim quando me deito.

1 comment:

KooKa said...

Lembro-me deste texto =)
Todos temos os nossos monstros cá dentro. E volta e meia atacam.
Ontem atacaram-me os meus...

Já tinha saudades de te ler =)*