Chega aqui,
senta-te do meu lado e partilha comigo este momento
escuta o vento soprar, e vê comigo os cereais dançar,
Entra em mim, vê o que eu sinto
e sente o que eu vejo
Aperta a minha mão na tua
faz-me sentir amado
e pequeno, por uma vez protegido e mimado
Deixa-me baixar a guarda,
descansar uns momentos
sentir que posso ser eu e despir esta farda
Senta-te do meu lado,
olha os mesmos campos
e dança comigo a mesma música que os embala
Ou, simplesmente,
Olha os meus olhos e diz-me o que vês,
Diz-me se o azul é o do céu ensolarado, ou do escuro mar profundo
Se estão transparentes ou turvos
Se brilham ou estão enevoados,
Diz-mo por favor, preciso ter a certeza que sabes o que sinto.
Friday, September 22, 2006
Wednesday, September 20, 2006
Viagem
O relógio digital no centro do tablier marcava 3.24h. O carro deslizava veloz e solitário pela auto-estrada. O rádio estava ainda mudo, porque os seus pensamentos fervilhavam ainda num turbilhão aparentemente sem saída e ele queria escutar tudo o que se passava dentro da sua cabeça.
Conduzia depressa, mesmo sem se dar conta. Sem sequer pensar nisso, tentava deixar entre si e os seus problemas a maior distância possível, alheio à inutilidade da distância na resolução de tudo o que acontecera. O coração batia forte e conseguia senti-lo no peito, ameaçando explodir a cada batida.
Flocos de neve começaram a colar-se ao pára-brisas e obrigaram-no por um instante a desviar a mente do que o atormentava. Ligou as escovas na velocidade máxima e decidiu abrir o vidro. O vento gelado atingiu-o como um objecto cortante, mas esse instante com o pensamento nas coisas triviais, soube-lhe bem e decidiu prosseguir com o vidro aberto... pelo menos até não suportar mais a dor gelada, o que aconteceu uns 3kms mais à frente.
Voltou a fechar o vidro e tocou no ‘on’do rádio. Tinha um cd de Radiohead que deixou a tocar baixo. À mente regressaram os eventos que desencadearam esta viagem. Na verdade não sabia bem o desfecho da viagem... sabia que tinha que se sentar no carro, carregar no acelerador partir. Não tinha decidido o destino daquela viagem e pelo menos até a luz laranja da reserva de combustível acender, não se ia preocupar com isso.
Sentia uma dor insuportável no peito, que queria libertar pisando mais forte o acelerador..180...190...210km/h, o som do vento fê-lo olhar para o conta kilómetros, mas não abrandar. Sentia-se cobarde pela fuga, mas nem tinha ainda a certeza de que fosse um fuga. Podia estar apenas a tentar encontrar o sentido da sua existência, ou o bálsamo que lhe aliviasse o sofrimento. Não sabia, essa era a verdade.
Alguns kilómetros mais à frente, teve uma nova chamada à realidade, as luzes intermitentes e rotativas de carros de polícia e uma ambulância fizeram-no abrandar a marcha. Quase parou... estava um carro capotado no centro da via, antecedido por indesmentíveis traços de despiste pintados a negro na alva neve que cobria o asfalto. O polícia obrigou-o a deter a marcha e depois de lhe pedir para abrir o vidro pediu paciência, mas que teria de aguardar que removessem o carro. Tentando apenas parecer interessado, perguntou pelos ocupantes; era uma só pessoa, tinha falecido. Demasiado absorto na sua dor nem realizou as palavras do polícia.
Quando finalmente o deixaram avançar, a sua vista cruzou o carro destruído em cima do reboque e recebeu um soco no estômago, daqueles que nos deixam estendidos no tapete até bem depois do árbitro contar até 10. Instintivamente parou e procurou a placa de matrícula no meio da chapa retorcida.
Debruçou a cabeça sobre o volante e chorou convulsivamente. Desligou o carro compreendendo que a sua viagem terminara e adormeceu em paz.
Conduzia depressa, mesmo sem se dar conta. Sem sequer pensar nisso, tentava deixar entre si e os seus problemas a maior distância possível, alheio à inutilidade da distância na resolução de tudo o que acontecera. O coração batia forte e conseguia senti-lo no peito, ameaçando explodir a cada batida.
Flocos de neve começaram a colar-se ao pára-brisas e obrigaram-no por um instante a desviar a mente do que o atormentava. Ligou as escovas na velocidade máxima e decidiu abrir o vidro. O vento gelado atingiu-o como um objecto cortante, mas esse instante com o pensamento nas coisas triviais, soube-lhe bem e decidiu prosseguir com o vidro aberto... pelo menos até não suportar mais a dor gelada, o que aconteceu uns 3kms mais à frente.
Voltou a fechar o vidro e tocou no ‘on’do rádio. Tinha um cd de Radiohead que deixou a tocar baixo. À mente regressaram os eventos que desencadearam esta viagem. Na verdade não sabia bem o desfecho da viagem... sabia que tinha que se sentar no carro, carregar no acelerador partir. Não tinha decidido o destino daquela viagem e pelo menos até a luz laranja da reserva de combustível acender, não se ia preocupar com isso.
Sentia uma dor insuportável no peito, que queria libertar pisando mais forte o acelerador..180...190...210km/h, o som do vento fê-lo olhar para o conta kilómetros, mas não abrandar. Sentia-se cobarde pela fuga, mas nem tinha ainda a certeza de que fosse um fuga. Podia estar apenas a tentar encontrar o sentido da sua existência, ou o bálsamo que lhe aliviasse o sofrimento. Não sabia, essa era a verdade.
Alguns kilómetros mais à frente, teve uma nova chamada à realidade, as luzes intermitentes e rotativas de carros de polícia e uma ambulância fizeram-no abrandar a marcha. Quase parou... estava um carro capotado no centro da via, antecedido por indesmentíveis traços de despiste pintados a negro na alva neve que cobria o asfalto. O polícia obrigou-o a deter a marcha e depois de lhe pedir para abrir o vidro pediu paciência, mas que teria de aguardar que removessem o carro. Tentando apenas parecer interessado, perguntou pelos ocupantes; era uma só pessoa, tinha falecido. Demasiado absorto na sua dor nem realizou as palavras do polícia.
Quando finalmente o deixaram avançar, a sua vista cruzou o carro destruído em cima do reboque e recebeu um soco no estômago, daqueles que nos deixam estendidos no tapete até bem depois do árbitro contar até 10. Instintivamente parou e procurou a placa de matrícula no meio da chapa retorcida.
Debruçou a cabeça sobre o volante e chorou convulsivamente. Desligou o carro compreendendo que a sua viagem terminara e adormeceu em paz.
Friday, September 15, 2006
My favorite things
Hot chocolate
Happy endings
A beautiful smile
A room with a view
Candle light dinners
To hear ‘I love you’
Holding your sweet hand
Dreaming that I have wings
These are a few of my favorite things
Happy endings
A beautiful smile
A room with a view
Candle light dinners
To hear ‘I love you’
Holding your sweet hand
Dreaming that I have wings
These are a few of my favorite things
Wednesday, September 13, 2006
A sala
Abriu os olhos lentamente, a despertar de um sono profundo. Uma névoa na vista não o deixava distinguir os objectos à sua volta o que o deixou um pouco confuso.
Aos poucos, a visão tornou-se menos turva e quanto mais nitidamente via, maior a sua confusão. Mas que sítio era este em que estava? O que estava ali a fazer? Como fora lá parar?
Estava num quarto branco. Completamente branco, sem uma janela, sem um mínimo toque de outra cor. Apenas quatro paredes a formar um espaço cúbico, liso e apenas umas lâmpadas fluorescentes brancas colocadas no tecto quebravam a lisura do que o rodeava.. Ergueu-se ligeiramente e percebeu que estava numa cama de ferro, branca, coberto com um lençol, também ele branco.
Sentiu algo a prender-lhe o braço esquerdo e, para sua surpresa, viu um catéter introduzido na veia, ligado por um tubo plástico a um saco de soro pendurado sobre a cama. Afinal parecia estar num hospital.
Mas como teria ido ali parar? A última recordação que tinha era de se ter deitado na noite anterior. Não imaginava o que pudesse ter acontecido, nem quanto tempo teria decorrido.
Dois eléctrodos no peito e um num dedo da mão direita, ligavam-no por fios a um aparelho que emitia um regular beep-beep. Isso não o deixou particularmente confortado.
Excepção feita ao beep da máquina atrás de si, não se ouvia nenhum outro som. Gritou, chamou por alguém, mas não obteve resposta, apenas o beep-beep a quebrar o silêncio a intervalos regulares.
Tomou então consciência de uma dor aguda no peito e levando as mãos ao local, percebeu uma costura. Mas que raio se estaria a passar? Decidiu virar-se para trás e encarar a máquina dos irritantes beep-beep. O que viu fê-lo empalidecer tanto quanto as paredes do quarto. Uma linha de cor verde – a única cor no quarto todo – atravessava o monitor, mas a linha era plana! Olhou de novo e confirmou a pequena inscrição junto à linha ‘heart rate’... como era possível ele estar a ver a sua própria linha do coração plana? Isso significaria que estava morto! Não, não era possível. Mas... por outro lado, explicaria o absurdo da situação. Estaria ele numa sala do purgatório? Não, não podia ser.
Foi interrompido pelo som de passos... daquilo que antes parecia apenas uma parede branca, abriu-se uma porta e entrou um homem alto de meia-idade. Era magro, de rosto afilado e nariz aquilino, cabelo curto, escuro e penteado para trás com gel. Tinha uma roupa branca vestida, o que não causou estranheza. A visão de um estetoscópio ao pescoço trouxe-lhe um alívio indescritível, afinal era um médico.
- Sr Doutor, por favor, onde estou? Que se passou?
- Ah, vejo que já acordou, óptimo.
- Mas que se passou, onde estou eu? Porque estou aqui deitado e porque é que aquela máquina tem a minha linha cardíaca plana?
- Calma, calma – retorquiu o médico – uma coisa de cada vez. Você foi trazido para aqui de urgência, esta noite. Foi-lhe diagnosticado um problema grave no coração e teve que ser sujeito a uma intervenção cirúrgica.
- Ao coração? Mas... eu nunca sofri do coração... que se passou? Que tiveram que fazer?
- Infelizmente, tivemos que lho retirar... estava estragado...
Aos poucos, a visão tornou-se menos turva e quanto mais nitidamente via, maior a sua confusão. Mas que sítio era este em que estava? O que estava ali a fazer? Como fora lá parar?
Estava num quarto branco. Completamente branco, sem uma janela, sem um mínimo toque de outra cor. Apenas quatro paredes a formar um espaço cúbico, liso e apenas umas lâmpadas fluorescentes brancas colocadas no tecto quebravam a lisura do que o rodeava.. Ergueu-se ligeiramente e percebeu que estava numa cama de ferro, branca, coberto com um lençol, também ele branco.
Sentiu algo a prender-lhe o braço esquerdo e, para sua surpresa, viu um catéter introduzido na veia, ligado por um tubo plástico a um saco de soro pendurado sobre a cama. Afinal parecia estar num hospital.
Mas como teria ido ali parar? A última recordação que tinha era de se ter deitado na noite anterior. Não imaginava o que pudesse ter acontecido, nem quanto tempo teria decorrido.
Dois eléctrodos no peito e um num dedo da mão direita, ligavam-no por fios a um aparelho que emitia um regular beep-beep. Isso não o deixou particularmente confortado.
Excepção feita ao beep da máquina atrás de si, não se ouvia nenhum outro som. Gritou, chamou por alguém, mas não obteve resposta, apenas o beep-beep a quebrar o silêncio a intervalos regulares.
Tomou então consciência de uma dor aguda no peito e levando as mãos ao local, percebeu uma costura. Mas que raio se estaria a passar? Decidiu virar-se para trás e encarar a máquina dos irritantes beep-beep. O que viu fê-lo empalidecer tanto quanto as paredes do quarto. Uma linha de cor verde – a única cor no quarto todo – atravessava o monitor, mas a linha era plana! Olhou de novo e confirmou a pequena inscrição junto à linha ‘heart rate’... como era possível ele estar a ver a sua própria linha do coração plana? Isso significaria que estava morto! Não, não era possível. Mas... por outro lado, explicaria o absurdo da situação. Estaria ele numa sala do purgatório? Não, não podia ser.
Foi interrompido pelo som de passos... daquilo que antes parecia apenas uma parede branca, abriu-se uma porta e entrou um homem alto de meia-idade. Era magro, de rosto afilado e nariz aquilino, cabelo curto, escuro e penteado para trás com gel. Tinha uma roupa branca vestida, o que não causou estranheza. A visão de um estetoscópio ao pescoço trouxe-lhe um alívio indescritível, afinal era um médico.
- Sr Doutor, por favor, onde estou? Que se passou?
- Ah, vejo que já acordou, óptimo.
- Mas que se passou, onde estou eu? Porque estou aqui deitado e porque é que aquela máquina tem a minha linha cardíaca plana?
- Calma, calma – retorquiu o médico – uma coisa de cada vez. Você foi trazido para aqui de urgência, esta noite. Foi-lhe diagnosticado um problema grave no coração e teve que ser sujeito a uma intervenção cirúrgica.
- Ao coração? Mas... eu nunca sofri do coração... que se passou? Que tiveram que fazer?
- Infelizmente, tivemos que lho retirar... estava estragado...
Tuesday, September 12, 2006
Na reunião
- Olá, bom dia, como estás?
Sigo indiferente, aceno ligeiramente com a cabeça e avanço em direcção à máquina do café. Carrego no botão, preparo o copo de plástico e inspiro profundamente.
Olho em redor. Está escuro e a chuva lá fora faz um ruído ensurdecedor no tecto metálico. Suspiro de novo. Por não estar em casa, na cama, a recompôr-me de uma noite curta, demasiado curta; por estar aqui, contrariado, à espera de pessoas de quem não gosto, para uma reunião que não queria ter.
Um discreto beep indica que o café está pronto. Agarro no copo de plástico com uma mão.
- Foda-se!
Queimo o polegar e o indicador. Enquanto pouso o copo à pressa e deixo os dedos debaixo de água fria corrente, penso no quanto desejava gritar e ir-me embora.
Avanço por fim para a sala. Empurro a porta e constato que ainda ninguém chegou. Escolho uma cadeira, ligo o portátil e enquanto ele arranca encosto-me para trás.
De repente abro os olhos e estou enfiado numa camisa caqui, com umas caças largas com bolsos laterais, umas botas de montanha e um chapéu. Caminho sozinho, com um enorme cão de raça indefinida a meu lado. Está calor, mas não demasiado. Há no ar um cheiro a deserto. Sorrio. Não preciso esforçar-me muito para perceber que estou no Atacama.
Caminho em passos largos em direcção ao Jeep preto estacionado ali. Salto para o interior e o enorme cão acompanha-me. Rodo a chave e acordo o rouco 6 cilindros. Arranco e sinto um arrepio de prazer enquanto o vento fresco da manhã me acaricia o rosto. Afago o cão, que me corresponde com uma lambidela. Naquele momento tenho pena dos pobres infelizes que vivem enclausurados em escritórios, espartilhados por um fato e uma gravata, na insensata convicção de que a felicidade depende de mais uns euros ao fim do mês.
E rio-me, por me saber um deles.
Sigo indiferente, aceno ligeiramente com a cabeça e avanço em direcção à máquina do café. Carrego no botão, preparo o copo de plástico e inspiro profundamente.
Olho em redor. Está escuro e a chuva lá fora faz um ruído ensurdecedor no tecto metálico. Suspiro de novo. Por não estar em casa, na cama, a recompôr-me de uma noite curta, demasiado curta; por estar aqui, contrariado, à espera de pessoas de quem não gosto, para uma reunião que não queria ter.
Um discreto beep indica que o café está pronto. Agarro no copo de plástico com uma mão.
- Foda-se!
Queimo o polegar e o indicador. Enquanto pouso o copo à pressa e deixo os dedos debaixo de água fria corrente, penso no quanto desejava gritar e ir-me embora.
Avanço por fim para a sala. Empurro a porta e constato que ainda ninguém chegou. Escolho uma cadeira, ligo o portátil e enquanto ele arranca encosto-me para trás.
De repente abro os olhos e estou enfiado numa camisa caqui, com umas caças largas com bolsos laterais, umas botas de montanha e um chapéu. Caminho sozinho, com um enorme cão de raça indefinida a meu lado. Está calor, mas não demasiado. Há no ar um cheiro a deserto. Sorrio. Não preciso esforçar-me muito para perceber que estou no Atacama.
Caminho em passos largos em direcção ao Jeep preto estacionado ali. Salto para o interior e o enorme cão acompanha-me. Rodo a chave e acordo o rouco 6 cilindros. Arranco e sinto um arrepio de prazer enquanto o vento fresco da manhã me acaricia o rosto. Afago o cão, que me corresponde com uma lambidela. Naquele momento tenho pena dos pobres infelizes que vivem enclausurados em escritórios, espartilhados por um fato e uma gravata, na insensata convicção de que a felicidade depende de mais uns euros ao fim do mês.
E rio-me, por me saber um deles.
Friday, September 08, 2006
O Verão que era e o Verão que é
Lembro-me bem de como antes era o Verão. Era uma verdadeira instituição. Era um tempo de férias, três meses e meio delas, para ser mais exacto. Todos ansiávamos a chegada dessa época, antevendo mentalmente as roupas que finalmente poderíamos usar e os milhares de coisas que podiam ser feitas, debaixo do tórrido calor de um Verão à séria.
Estava eu no secundário e a mais excitante novidade na Lisboa de então, eram os termómetros digitais em dois ou três pontos da cidade. Como um dos ditos ficava a poucos quarteirões do colégio, a chegada do Verão era efectivamente comprovada por várias visitas diárias ao mesmo para aferir das qualidades do Verão que chegava, medidas pela proximidade da mágica marca dos 40º. E nos Verões de então, tal acontecia mesmo. Chegámos a festejar uns fantásticos 42º medidos ali mesmo à nossa beira, no termómetro gigantesco pendurado na linha do comboio por cima da Av. Da República. Era um verão à séria!
Com a chegada do Verão, era altura de trocar os amigos do colégio pelos primos e os amigos destes. Era uma troca curiosa esta. Saía do Campo Pequeno e rumava para o “ameno” Alentejo, de onde, invariavelmente, regressava três meses depois (interrompidos apenas por uma quinzena no Algarve) com um sotaque à Verão, ou Alentejano, para os mais puristas.
Eram tempos de verdadeiro aproveitamento da estação. A actividade mais habitual consistia em pedalar pelos campos, com o farnel preparado pela minha tia no “suporte” da bicicleta, sob um inclemente sol Alentejano, procurando cada dia uma nova barragem onde nadar e pescar, ou um jacto de rega nos campos de girassóis, que nos regasse também enquanto descansávamos deitados no chão. Se efectivamente a pesca fosse mais que uma mera diversão e conseguíssemos enganar algum Achigã, Carpa ou Barbo, então nessa noite havia fogueira e peixe grelhado.
Eram meses de novas experiências, porque todos os anos havia actividade novas. Um ano, o meu tio tinha comprado um rebanho de ovelhas e ao meu primo e a mim, cabia a “dura” tarefa de as levar ao campo de pasto ao anoitecer; claro que geralmente fazíamos corridas montados nas ovelhas, até cair ao chão, ou até o macho do rebanho se fartar e nos atirar ele próprio. Outro ano, havia a enfardadeira novinha do tio e não descansámos enquanto não fomos com ele, passar dias inteiros empoleirados nos gigantescos guarda-lamas do tractor, a ver aquela máquina que engolia filas intermináveis de cereal ceifado, espantando à sua frente assustados coelhos. Eram dias de uma diversão que não se explica, pela emoção dos campos de restolho a perder de vista, os mergulhos nas barragens, os almoços de atum em lata comidos debaixo de um chaparro, antes da muito Alentejana sesta. Tudo acompanhado de quilos de poeira e palha, entranhados na roupa, na pele e no cabelo. Cheirava a palha, a Alentejo e a Verão.
As noites, essas jamais as esquecerei; ficávamos sempre no terraço da casa, deitados sobre um colchão, com um cobertor aos pés na eventualidade de uma madrugada mais fresca e adormecia sempre a olhar as estrelas.
Este é o Verão que era. O contraponto às amenas estações intermédias e ao austero e civilizado Inverno, passado na cidade. Uma peça importante daquilo que sou hoje.
O Verão que é, já não é o Verão que era. No Verão de hoje, reduziram as férias a duas ou três semanas. A esta distância, 40º parecem irreais e só se formos a alguma cidade do Norte de África ou do Médio Oriente.
No Verão de hoje, as noites são frescas e quando saímos à rua, não sabemos se antes do fim do dia ainda vai chover. As pessoas continuam a trabalhar, não se dando conta de que é Verão. O stress é quase o mesmo do resto do ano e apenas o mês de Agosto, ainda que passado em Lisboa, se aproxima dos tempos de outrora, pelo reduzido número de pessoas que por aqui andam.
No Verão de hoje, o meu primo já não está connosco e aos seus amigos, já nem os conheço. As ovelhas foram vendidas e a enfardadeira ganha ferrugem debaixo de um sobreiro. É quase como se o Verão estivesse fechado, à espera que alguém lhe pegue e o restitua ao esplendor de outros tempos. Ou se calhar, o Verão que é ainda é o mesmo; nós é que não.
Estava eu no secundário e a mais excitante novidade na Lisboa de então, eram os termómetros digitais em dois ou três pontos da cidade. Como um dos ditos ficava a poucos quarteirões do colégio, a chegada do Verão era efectivamente comprovada por várias visitas diárias ao mesmo para aferir das qualidades do Verão que chegava, medidas pela proximidade da mágica marca dos 40º. E nos Verões de então, tal acontecia mesmo. Chegámos a festejar uns fantásticos 42º medidos ali mesmo à nossa beira, no termómetro gigantesco pendurado na linha do comboio por cima da Av. Da República. Era um verão à séria!
Com a chegada do Verão, era altura de trocar os amigos do colégio pelos primos e os amigos destes. Era uma troca curiosa esta. Saía do Campo Pequeno e rumava para o “ameno” Alentejo, de onde, invariavelmente, regressava três meses depois (interrompidos apenas por uma quinzena no Algarve) com um sotaque à Verão, ou Alentejano, para os mais puristas.
Eram tempos de verdadeiro aproveitamento da estação. A actividade mais habitual consistia em pedalar pelos campos, com o farnel preparado pela minha tia no “suporte” da bicicleta, sob um inclemente sol Alentejano, procurando cada dia uma nova barragem onde nadar e pescar, ou um jacto de rega nos campos de girassóis, que nos regasse também enquanto descansávamos deitados no chão. Se efectivamente a pesca fosse mais que uma mera diversão e conseguíssemos enganar algum Achigã, Carpa ou Barbo, então nessa noite havia fogueira e peixe grelhado.
Eram meses de novas experiências, porque todos os anos havia actividade novas. Um ano, o meu tio tinha comprado um rebanho de ovelhas e ao meu primo e a mim, cabia a “dura” tarefa de as levar ao campo de pasto ao anoitecer; claro que geralmente fazíamos corridas montados nas ovelhas, até cair ao chão, ou até o macho do rebanho se fartar e nos atirar ele próprio. Outro ano, havia a enfardadeira novinha do tio e não descansámos enquanto não fomos com ele, passar dias inteiros empoleirados nos gigantescos guarda-lamas do tractor, a ver aquela máquina que engolia filas intermináveis de cereal ceifado, espantando à sua frente assustados coelhos. Eram dias de uma diversão que não se explica, pela emoção dos campos de restolho a perder de vista, os mergulhos nas barragens, os almoços de atum em lata comidos debaixo de um chaparro, antes da muito Alentejana sesta. Tudo acompanhado de quilos de poeira e palha, entranhados na roupa, na pele e no cabelo. Cheirava a palha, a Alentejo e a Verão.
As noites, essas jamais as esquecerei; ficávamos sempre no terraço da casa, deitados sobre um colchão, com um cobertor aos pés na eventualidade de uma madrugada mais fresca e adormecia sempre a olhar as estrelas.
Este é o Verão que era. O contraponto às amenas estações intermédias e ao austero e civilizado Inverno, passado na cidade. Uma peça importante daquilo que sou hoje.
O Verão que é, já não é o Verão que era. No Verão de hoje, reduziram as férias a duas ou três semanas. A esta distância, 40º parecem irreais e só se formos a alguma cidade do Norte de África ou do Médio Oriente.
No Verão de hoje, as noites são frescas e quando saímos à rua, não sabemos se antes do fim do dia ainda vai chover. As pessoas continuam a trabalhar, não se dando conta de que é Verão. O stress é quase o mesmo do resto do ano e apenas o mês de Agosto, ainda que passado em Lisboa, se aproxima dos tempos de outrora, pelo reduzido número de pessoas que por aqui andam.
No Verão de hoje, o meu primo já não está connosco e aos seus amigos, já nem os conheço. As ovelhas foram vendidas e a enfardadeira ganha ferrugem debaixo de um sobreiro. É quase como se o Verão estivesse fechado, à espera que alguém lhe pegue e o restitua ao esplendor de outros tempos. Ou se calhar, o Verão que é ainda é o mesmo; nós é que não.
Thursday, September 07, 2006
Odeio que gostes de mim e gosto de te odiar
- Olha, gostas de mim?
- Não, odeio-te!
- Mas muito?
- Muito não, mas assim um bocadinho.
- Oh... odeia-me mais.
- Não! Nem penses, já tens sorte em te odiar pouco, não queiras abusar.
- Oh pah... mas achas que com o tempo tenho hipóteses.
- Não sei! Não sei o futuro. Hoje odeio-te pouco, talvez amanhã te odeie mais, mas não sejas chata.
- Vá lá.
- Não sejas chata!
- Oh pah!
- Bem.... já começo a odiar-te mais.
- A sério? YEAH! Toma um beijo... XUAC!!
- Bem, assim estragaste tudo, quase que estou a gostar de ti.
- Oh, foda-se! Não quero. Odeia-me, já!
- Eu até queria, gosto de te odiar, mas que queres. Nem sempre é fácil odiar alguém.
- Tenta, de certeza que tenho coisas más que podes odiar.
- Imagino que sim, mas isso não chega... só te odeio um bocadinho, lamento.
- Bolas, pah, ninguém me odeia como mereço!
- Não, odeio-te!
- Mas muito?
- Muito não, mas assim um bocadinho.
- Oh... odeia-me mais.
- Não! Nem penses, já tens sorte em te odiar pouco, não queiras abusar.
- Oh pah... mas achas que com o tempo tenho hipóteses.
- Não sei! Não sei o futuro. Hoje odeio-te pouco, talvez amanhã te odeie mais, mas não sejas chata.
- Vá lá.
- Não sejas chata!
- Oh pah!
- Bem.... já começo a odiar-te mais.
- A sério? YEAH! Toma um beijo... XUAC!!
- Bem, assim estragaste tudo, quase que estou a gostar de ti.
- Oh, foda-se! Não quero. Odeia-me, já!
- Eu até queria, gosto de te odiar, mas que queres. Nem sempre é fácil odiar alguém.
- Tenta, de certeza que tenho coisas más que podes odiar.
- Imagino que sim, mas isso não chega... só te odeio um bocadinho, lamento.
- Bolas, pah, ninguém me odeia como mereço!
Wednesday, September 06, 2006
O dia do Juízo (Parte II)
Continuava a ouvir o som das sirenes dos carros da polícia. Ouvia gritos e viu chegar diversos agentes, que apontavam armas a um corpo estendido no chão com uma Glock 18C na mão... demorou breves instantes a perceber que o corpo sem vida que via, era o seu.
Sentia-se flutuar sobre os acontecimentos, as imagens pareciam correr em câmara lenta e o som chegava até ele abafado.
Enquanto o número de pessoas no escritório ia aumentando e o som das sirenes lá fora se multiplicava, sentiu-se elevar e afastar lentamente daquele cenário de caos.
Sentia-se a flutuar num líquido morno, quase um regresso ao útero... sentia paz e felicidade. Olhou para cima; na direcção em que se dirigia, ao fundo, uma luz levemente arroxeada e difusa distinguia-se do branco em que estava rodeado.
Uma poderosa voz masculina despertou-o deste breve torpor. Alguém chamava o seu nome e o som vinha da luz arroxeada.
Finalmente chegou até lá. À entrada, uma senhora de aspecto elegante, completamente vestida de branco recebeu-o. Quase poderia ser uma normal recepcionista, não fora flutuar a escassos centímetros do chão e emanar um difusa luz verde.
- M.? - Perguntou.
- Sim, sim, sou eu.
- Acompanhe-me, por favor.
Indicou a M. uma cadeira naquilo que era indubitavelmente uma vulgar sala de espera de consultório; sem janelas, sem música e com algumas revistas bastante antigas sobre uma mesa.
Breves instantes depois, a porta do único gabinete visível abriu-se sozinha e alguém chamou o seu nome.
M. ergueu-se e a medo percorreu a curta distância até à porta. Neste momento os seus últimos actos em vida começavam a pesar-lhe como um bloco de granito sobre os ombros.... ia pagar pelos seus actos.
Deteve-se à porta, não parecia haver ninguém lá dentro. Uma voz no entanto repetiu a ordem de entrar e se sentar.
Sentou-se na única cadeira vazia, frente a uma enorme secretária. Do outro lado da secretária, um cadeirão de pele de proporções bíblicas, voltado de costas para M. e de frente para uma janela gigantesca, de onde se podia observar o arquipélago das Maldivas.
O enorme cadeirão voltou-se finalmente. Um idoso de feições orientais, vestido num fato prateado, com longos cabelos brancos, olhava-o enquanto cofiava as barbas grisalhas e em aparente desordem. Por fim quebrou o silêncio:
- Sabe porque está aqui?
- Sim, suponho que sim.
- E é por...?
- Bem, parece que morri e... receio não me ter portado muito bem. Vou para o inferno? Que me vai acontecer?
- Tudo a seu tempo. Porque fez aquilo, M.?
- Nem sei bem... acho que cheguei ao limite. Não aguentava mais as mesmas caras hipócritas, o mesmo dia repetido até à exaustão... perdi o controle.
- Acontece com frequência, sabe M. – perguntou a estranha figura, sem mexer os lábios e sem deixar de cofiar as barbas.
- Sim? Então é mais ou menos normal? Não há problema, portanto?
- Eh, calma. Não nos precipitemos. Diria antes que tem atenuantes. Aqueles seus colegas eram de facto um bocado manhosos, então o seu chefe. Eu não sei se teria aguentado tanto tempo.
- Hã?!!
- Pois... mas há uma coisa que me intriga mesmo.
- O quê?
- Como conseguiu, M. Como foi que conseguiu?
- Bem... nem sei bem... acordei e pensei que não era capaz de aguentar mais...
- Não, não é isso – atalhou o ancião – o que quero saber é como conseguiu uma Glock 18C. Eu ando há meses a procurar uma e nem no mercado negro, aquilo é mesmo difícil de arranjar.
- .... pois.....
Sentia-se flutuar sobre os acontecimentos, as imagens pareciam correr em câmara lenta e o som chegava até ele abafado.
Enquanto o número de pessoas no escritório ia aumentando e o som das sirenes lá fora se multiplicava, sentiu-se elevar e afastar lentamente daquele cenário de caos.
Sentia-se a flutuar num líquido morno, quase um regresso ao útero... sentia paz e felicidade. Olhou para cima; na direcção em que se dirigia, ao fundo, uma luz levemente arroxeada e difusa distinguia-se do branco em que estava rodeado.
Uma poderosa voz masculina despertou-o deste breve torpor. Alguém chamava o seu nome e o som vinha da luz arroxeada.
Finalmente chegou até lá. À entrada, uma senhora de aspecto elegante, completamente vestida de branco recebeu-o. Quase poderia ser uma normal recepcionista, não fora flutuar a escassos centímetros do chão e emanar um difusa luz verde.
- M.? - Perguntou.
- Sim, sim, sou eu.
- Acompanhe-me, por favor.
Indicou a M. uma cadeira naquilo que era indubitavelmente uma vulgar sala de espera de consultório; sem janelas, sem música e com algumas revistas bastante antigas sobre uma mesa.
Breves instantes depois, a porta do único gabinete visível abriu-se sozinha e alguém chamou o seu nome.
M. ergueu-se e a medo percorreu a curta distância até à porta. Neste momento os seus últimos actos em vida começavam a pesar-lhe como um bloco de granito sobre os ombros.... ia pagar pelos seus actos.
Deteve-se à porta, não parecia haver ninguém lá dentro. Uma voz no entanto repetiu a ordem de entrar e se sentar.
Sentou-se na única cadeira vazia, frente a uma enorme secretária. Do outro lado da secretária, um cadeirão de pele de proporções bíblicas, voltado de costas para M. e de frente para uma janela gigantesca, de onde se podia observar o arquipélago das Maldivas.
O enorme cadeirão voltou-se finalmente. Um idoso de feições orientais, vestido num fato prateado, com longos cabelos brancos, olhava-o enquanto cofiava as barbas grisalhas e em aparente desordem. Por fim quebrou o silêncio:
- Sabe porque está aqui?
- Sim, suponho que sim.
- E é por...?
- Bem, parece que morri e... receio não me ter portado muito bem. Vou para o inferno? Que me vai acontecer?
- Tudo a seu tempo. Porque fez aquilo, M.?
- Nem sei bem... acho que cheguei ao limite. Não aguentava mais as mesmas caras hipócritas, o mesmo dia repetido até à exaustão... perdi o controle.
- Acontece com frequência, sabe M. – perguntou a estranha figura, sem mexer os lábios e sem deixar de cofiar as barbas.
- Sim? Então é mais ou menos normal? Não há problema, portanto?
- Eh, calma. Não nos precipitemos. Diria antes que tem atenuantes. Aqueles seus colegas eram de facto um bocado manhosos, então o seu chefe. Eu não sei se teria aguentado tanto tempo.
- Hã?!!
- Pois... mas há uma coisa que me intriga mesmo.
- O quê?
- Como conseguiu, M. Como foi que conseguiu?
- Bem... nem sei bem... acordei e pensei que não era capaz de aguentar mais...
- Não, não é isso – atalhou o ancião – o que quero saber é como conseguiu uma Glock 18C. Eu ando há meses a procurar uma e nem no mercado negro, aquilo é mesmo difícil de arranjar.
- .... pois.....
Tuesday, September 05, 2006
O dia do Juízo (Parte I)
M. entrou na garagem e estacionou cuidadosamente. Apagou as luzes, desligou o carro e saiu. Já fora do carro, ajeitou a gravata vendo o seu reflexo no vidro da porta e dirigiu-se para os elevadores. Olhou para trás para se certificar que tinha deixado as luzes apagadas e acabou mesmo por voltar ao carro para confirmar que tinha trancado as portas. Estavam trancadas e dirigiu-se de novo para o elevador.
Esperou poucos segundos e entrou. Subiam já mais duas pessoas que M. cumprimentou sem expressão. Ajeitou o cabelo na parede espelhada do elevador e saiu no seu andar como fazia há 4 anos. Entrou na recepção e a recepcionista cumprimentou-o com um caloroso bom dia.
Abriu a gabardina e pegou na caçadeira Browning de canos serrados. Ainda antes de o grito que se formava na garganta da recepcionista sair, o tiro atingiu-a em cheio no rosto, arrancando o seu crânio que ficou espalhado numa mancha disforme no grande painel roxo com o logotipo da empresa. Nesse momento alguém saiu a correr de um gabinete mas um disparo certeiro no peito fê-lo voar através dos vidros do gabinete.
Começaram então a ouvir-se gritos, o que o incomodou um pouco. Deu alguns passos em direcção ao corredor que dava acesso ao interior do escritório. Deteve-se junto à segunda porta onde ouviu choros, entrou e a directora de recursos humanos chorava e implorava a M. que não a matasse, que tinha filhos. Ele encostou a arma à sua cabeça e espremeu o gatilho, deixando a alcatifa ensopada com uma massa branca e vermelha. Não conseguiu deixar de sentir repulsa e exclamou alto
– Este escritório está um nojo!
Seguiu de novo pelo corredor, encurralando sem saída todos os que àquela hora já estavam a trabalhar. Aproximou-se da zona de Open Space à esquerda do corredor. Duas colegas choravam sob o abrigo aparente de uma secretária. M. aproximou-se e disparou os últimos dois tiros. Uma delas continuava a chorar, mas agora gritava também, num volume que lhe fez doer a cabeça. Agastado, abriu a Browning e lentamente introduziu cinco novos cartuchos na câmara. Antes de terminar, um colega saiu de trás de um armário e correu passando por ele. Sem sequer pousar a Browning, M. levou a mão à gabardina e tirou a Glock 18C automática, virou-se. Dois estampidos secos e quase simultâneos abriram dois orifícios nas costas do colega, que foi projectado para a frente e embateu na parede. Dos dois orifícios saiam agora golfadas de sangue. Ele tentou levantar-se e arrastar-se, mas mais três estampidos deixaram-no de novo imóvel.
Enfiou a Glock nas calças e agarrou de novo na Browning de canos serrados. Aproximou-se da mesa onde a colega gritava, baixou-se e olhou-a no rosto. Pondo o dedo sobre os lábios fez-lhe – Shhhhh! Ela olhou para ele e pediu,
- Pára M., não faças isto.
O brutal estrondo do chumbo a sair dos canos, perfurar o metal da secretária e alojar-se no corpo dela foi apenas o início de mais uma série de tiros, todos eles certeiros.
Por fim, olhando à sua volta, M. viu o rasto de destruição que deixara, os corpos, o sangue... escutou os gritos e ouviu sirenes a aproximarem-se. Sentiu náuseas de tudo aquilo. Pegou na Glock, encostou a boca do cano à têmpora direita e premiu o gatilho.
Esperou poucos segundos e entrou. Subiam já mais duas pessoas que M. cumprimentou sem expressão. Ajeitou o cabelo na parede espelhada do elevador e saiu no seu andar como fazia há 4 anos. Entrou na recepção e a recepcionista cumprimentou-o com um caloroso bom dia.
Abriu a gabardina e pegou na caçadeira Browning de canos serrados. Ainda antes de o grito que se formava na garganta da recepcionista sair, o tiro atingiu-a em cheio no rosto, arrancando o seu crânio que ficou espalhado numa mancha disforme no grande painel roxo com o logotipo da empresa. Nesse momento alguém saiu a correr de um gabinete mas um disparo certeiro no peito fê-lo voar através dos vidros do gabinete.
Começaram então a ouvir-se gritos, o que o incomodou um pouco. Deu alguns passos em direcção ao corredor que dava acesso ao interior do escritório. Deteve-se junto à segunda porta onde ouviu choros, entrou e a directora de recursos humanos chorava e implorava a M. que não a matasse, que tinha filhos. Ele encostou a arma à sua cabeça e espremeu o gatilho, deixando a alcatifa ensopada com uma massa branca e vermelha. Não conseguiu deixar de sentir repulsa e exclamou alto
– Este escritório está um nojo!
Seguiu de novo pelo corredor, encurralando sem saída todos os que àquela hora já estavam a trabalhar. Aproximou-se da zona de Open Space à esquerda do corredor. Duas colegas choravam sob o abrigo aparente de uma secretária. M. aproximou-se e disparou os últimos dois tiros. Uma delas continuava a chorar, mas agora gritava também, num volume que lhe fez doer a cabeça. Agastado, abriu a Browning e lentamente introduziu cinco novos cartuchos na câmara. Antes de terminar, um colega saiu de trás de um armário e correu passando por ele. Sem sequer pousar a Browning, M. levou a mão à gabardina e tirou a Glock 18C automática, virou-se. Dois estampidos secos e quase simultâneos abriram dois orifícios nas costas do colega, que foi projectado para a frente e embateu na parede. Dos dois orifícios saiam agora golfadas de sangue. Ele tentou levantar-se e arrastar-se, mas mais três estampidos deixaram-no de novo imóvel.
Enfiou a Glock nas calças e agarrou de novo na Browning de canos serrados. Aproximou-se da mesa onde a colega gritava, baixou-se e olhou-a no rosto. Pondo o dedo sobre os lábios fez-lhe – Shhhhh! Ela olhou para ele e pediu,
- Pára M., não faças isto.
O brutal estrondo do chumbo a sair dos canos, perfurar o metal da secretária e alojar-se no corpo dela foi apenas o início de mais uma série de tiros, todos eles certeiros.
Por fim, olhando à sua volta, M. viu o rasto de destruição que deixara, os corpos, o sangue... escutou os gritos e ouviu sirenes a aproximarem-se. Sentiu náuseas de tudo aquilo. Pegou na Glock, encostou a boca do cano à têmpora direita e premiu o gatilho.
Monday, September 04, 2006
Mundo Colorido
Há muito, muito tempo, havia um reino cor-de-rosa, governado por uma princesa cor-de-rosa. Neste reino cor-de-rosa, todas as coisas eram cor-de-rosa; as casas, a relva, as árvores, as roupas... e até o céu era de um belo azul rosado.
Na verdade, a única coisa que não era cor-de-rosa, era a vida da princesa da nossa história.
Do alto do seu castelo rosa, ela costumava olhar os campos rosa e ver os pássaros rosados a voar pelo céu cor-de-rosa, mas, apesar da beleza do cenário, já nada disso lhe enchia o peito do calor rosa que ela precisava. Sentia-se por vezes pintada de rosa escuro, quase lilás e percebia no seu íntimo que lhe faltava alguma coisa.
Certo dia, enquanto cavalgava no seu cavalo rosa por um campo rosa, viu ao longe algo que lhe chamou a atenção. A princípio nem se apercebeu exactamente daquilo que captava o seu olhar, mas depressa se apercebeu do que a atraíra: um cavalo azul estava a beber água nas margens do lago rosa. Aproximou-se surpreendida e viu um príncipe azul a dormir na relva rosa junto ao lago rosa.
Ficou parada por uns instantes, boca aberta pelo espanto. A princesa rosa nunca tinha visto pessoas de outras cores. O cavalo rosa também não e aproximou-se curioso do cavalo azul. Quando ambos os cavalos se cumprimentaram com um relinchar colorido, o principe azul acordou e pôs-se de pé de um salto. Ao fazê-lo, encarou a princesa rosa, debruçada sobre ele; esta ficou muito corada com o rosto ainda mais rosa. Mas não conseguia desviar o olhar dos olhos azuis do príncipe azul, que brilhavam como uma estrela nova.
Ele foi o primeiro a falar.
- Olá, sou o príncipe azul, do reino azul, um reino a várias semanas a cavalo daqui.
- Olá – disse ela com o rosto bastante rosado – eu sou a princesa rosa. Estou muito surpreendida, nem sabia que havia reinos de outras cores.
- Oh sim, há imensos reinos coloridos!
- Que te trouxe até ao meu reino rosa?
- Sabes, estava farto do meu mundo azul e decidi montar o Alazul e partir em busca de novas cores, que me completassem por dentro.
Enquanto ele falava, a princesa rosa não conseguia desviar os seus olhos rosa do intenso brilho azul dos olhos do príncipe. A existência de outras cores era algo não só novo, mas completamente belo. A princesa rosa estava fascinada.
E nem o principe consegui desviar os seus olhos azuis da rosada beleza da princesa rosa. Ela era bela como nenhuma outra mulher que ele conhecera.
Durante os dias seguintes, o príncipe e o seu cavalo azul foram os dois o alvo da curiosidade de todos os rosados habitantes do reino rosa. Eles acompanharam a princesa rosa por todo o reino e a cada dia gostavam mais da estada neste mundo rosa.
Não foi por isso uma surpresa o dia em que a princesa rosa anúnciou na imprensa cor-de-rosa que ia viver junta com o principe azul. Sem casamentos, sem festas rosa para pessoas rosa, apenas um dia feriado, onde os amigos azuis do príncipe azul puderam conhecer a princesa rosa e os simpáticos habitantes do seu reino.
Desde esse dia, o azul e o rosa passaram a ser cores inseparáveis.
Na verdade, a única coisa que não era cor-de-rosa, era a vida da princesa da nossa história.
Do alto do seu castelo rosa, ela costumava olhar os campos rosa e ver os pássaros rosados a voar pelo céu cor-de-rosa, mas, apesar da beleza do cenário, já nada disso lhe enchia o peito do calor rosa que ela precisava. Sentia-se por vezes pintada de rosa escuro, quase lilás e percebia no seu íntimo que lhe faltava alguma coisa.
Certo dia, enquanto cavalgava no seu cavalo rosa por um campo rosa, viu ao longe algo que lhe chamou a atenção. A princípio nem se apercebeu exactamente daquilo que captava o seu olhar, mas depressa se apercebeu do que a atraíra: um cavalo azul estava a beber água nas margens do lago rosa. Aproximou-se surpreendida e viu um príncipe azul a dormir na relva rosa junto ao lago rosa.
Ficou parada por uns instantes, boca aberta pelo espanto. A princesa rosa nunca tinha visto pessoas de outras cores. O cavalo rosa também não e aproximou-se curioso do cavalo azul. Quando ambos os cavalos se cumprimentaram com um relinchar colorido, o principe azul acordou e pôs-se de pé de um salto. Ao fazê-lo, encarou a princesa rosa, debruçada sobre ele; esta ficou muito corada com o rosto ainda mais rosa. Mas não conseguia desviar o olhar dos olhos azuis do príncipe azul, que brilhavam como uma estrela nova.
Ele foi o primeiro a falar.
- Olá, sou o príncipe azul, do reino azul, um reino a várias semanas a cavalo daqui.
- Olá – disse ela com o rosto bastante rosado – eu sou a princesa rosa. Estou muito surpreendida, nem sabia que havia reinos de outras cores.
- Oh sim, há imensos reinos coloridos!
- Que te trouxe até ao meu reino rosa?
- Sabes, estava farto do meu mundo azul e decidi montar o Alazul e partir em busca de novas cores, que me completassem por dentro.
Enquanto ele falava, a princesa rosa não conseguia desviar os seus olhos rosa do intenso brilho azul dos olhos do príncipe. A existência de outras cores era algo não só novo, mas completamente belo. A princesa rosa estava fascinada.
E nem o principe consegui desviar os seus olhos azuis da rosada beleza da princesa rosa. Ela era bela como nenhuma outra mulher que ele conhecera.
Durante os dias seguintes, o príncipe e o seu cavalo azul foram os dois o alvo da curiosidade de todos os rosados habitantes do reino rosa. Eles acompanharam a princesa rosa por todo o reino e a cada dia gostavam mais da estada neste mundo rosa.
Não foi por isso uma surpresa o dia em que a princesa rosa anúnciou na imprensa cor-de-rosa que ia viver junta com o principe azul. Sem casamentos, sem festas rosa para pessoas rosa, apenas um dia feriado, onde os amigos azuis do príncipe azul puderam conhecer a princesa rosa e os simpáticos habitantes do seu reino.
Desde esse dia, o azul e o rosa passaram a ser cores inseparáveis.
Saturday, September 02, 2006
(sem título)
Sei que to digo todos os dias
Que to relembro a todas as horas
Quando te toco, quando te olho, quando te cheiro
(Have I told you lately that I love you?)*
Sei que o tenho escrito nos olhos
E que o sentes quando te falo ao ouvido
(Have I told you there's no one else above you?)*
Mas quando o teu olhar devolve o meu
E os teus lábios me tocam a pele
Quando fecho os olhos e sinto o teu calor
(Fill my heart with gladness)*
Sei que sentes o mesmo
Sei que faço parte de ti,
Como tu fazes de mim
(take away all my sadness
ease my troubles that's what you do)*
* ROD STEWART lyrics - "Have I Told You Lately"
Que to relembro a todas as horas
Quando te toco, quando te olho, quando te cheiro
(Have I told you lately that I love you?)*
Sei que o tenho escrito nos olhos
E que o sentes quando te falo ao ouvido
(Have I told you there's no one else above you?)*
Mas quando o teu olhar devolve o meu
E os teus lábios me tocam a pele
Quando fecho os olhos e sinto o teu calor
(Fill my heart with gladness)*
Sei que sentes o mesmo
Sei que faço parte de ti,
Como tu fazes de mim
(take away all my sadness
ease my troubles that's what you do)*
* ROD STEWART lyrics - "Have I Told You Lately"
Friday, September 01, 2006
Praia da Luz
Sentado na esplanada da Praia da Luz, deixava o sol acariciar-lhe o corpo naqueles últimos e tépidos raios de sol de um fim de tarde de sexta feira. Recostado na cadeira, o copo de James Martin numa mão e o Cohiba Supremo na outra, experimentou a deliciosa sensação de fechar os olhos e deixar o som das ondas frias do Atlântico a rebentar na rocha, descansar-lhe os pensamentos. Embalado pelo som do mar e estimulado pelo contraste entre o frio vento de Novembro e as quentes carícias do sol, ele sentia-se verdadeiramente em paz.
Foi arrancado deste torpor pelo vibrar do telemóvel no bolso das calças. Era ela, estava ainda na Praça da Galiza e ia chegar um pouco atrasada. Ergueu-se um pouco na cadeira e puxou lentamente e com força, outra baforada do Cohiba. Recostou-se, pousou o charuto e o copo e voltou a fechar os olhos. Alguns minutos depois dormia.
Foi acordado com uns lábios a repousar sobre os seus. Abriu os olhos
- Ana?!
- ...risos... Olá tronxo! Desculpa o atraso.
- Não faz mal, eu adormeci.
- Nota-se! Já pagaste? Se sim vamos subindo, eles no Cafeína não gostam de atrasos nas reservas.
- Ok, vamos já.
Vestiu a camisola, pois a noite instalara-se e o frio vento estava verdadeiramente desagradável. Deram a mão e subiram a rampa. Caminharam uns metros em silêncio, um silêncio cúmplice. Chegaram ao restaurante e foram encaminhados para a mesa do costume.
- Como foi o teu dia?
- Cansativo – disse ela - a viagem e mais o stress de toda a situação. Não foi fácil.
- Compreendo. Gostava de te ajudar, mas não sei que posso fazer. Queres que vá lá contigo quando tiveres que voltar?
- Oh, obrigado, mas não. É daquelas coisas q tenho q ser eu a fazer.
- Sim, eu sei... eu faria o mesmo.
- E tu?
- Não foi muito melhor; aquilo por lá está insuportável.
- Continua?
- Sim, sem quaisquer alterações.
Foram interrompidos pelo empregado, que lhes deixou a lista e recomendou o Folhado de Lagosta. Este pequeno momento desviou-lhes a atenção das preocupações- ele segurou a mão dela e apertou-a.
- Gosto de ti, sabes?
- Acho que sim.
- Tronxa!
- Não, tu sabes que isto é complicado, a minha resposta é sentida.
- Claro que não é fácil, para nenhum dos dois. Mas isso não altera o que sinto.
- Olha, agora que falas em cinto, a Haity já está com promoções.
- Ena e agora que falas em promoções, em Janeiro vou ser nomeado director, sabias?
- Xiii, mas olha uma coisa, conheces o gajo que esreveu este texto?
- Epah... acho que não, mas também a ver pela qualidade disto, acho que não quero. É que se não fôssemos actores experientes este filme estava uma merda.
- Podes crer!
Foi arrancado deste torpor pelo vibrar do telemóvel no bolso das calças. Era ela, estava ainda na Praça da Galiza e ia chegar um pouco atrasada. Ergueu-se um pouco na cadeira e puxou lentamente e com força, outra baforada do Cohiba. Recostou-se, pousou o charuto e o copo e voltou a fechar os olhos. Alguns minutos depois dormia.
Foi acordado com uns lábios a repousar sobre os seus. Abriu os olhos
- Ana?!
- ...risos... Olá tronxo! Desculpa o atraso.
- Não faz mal, eu adormeci.
- Nota-se! Já pagaste? Se sim vamos subindo, eles no Cafeína não gostam de atrasos nas reservas.
- Ok, vamos já.
Vestiu a camisola, pois a noite instalara-se e o frio vento estava verdadeiramente desagradável. Deram a mão e subiram a rampa. Caminharam uns metros em silêncio, um silêncio cúmplice. Chegaram ao restaurante e foram encaminhados para a mesa do costume.
- Como foi o teu dia?
- Cansativo – disse ela - a viagem e mais o stress de toda a situação. Não foi fácil.
- Compreendo. Gostava de te ajudar, mas não sei que posso fazer. Queres que vá lá contigo quando tiveres que voltar?
- Oh, obrigado, mas não. É daquelas coisas q tenho q ser eu a fazer.
- Sim, eu sei... eu faria o mesmo.
- E tu?
- Não foi muito melhor; aquilo por lá está insuportável.
- Continua?
- Sim, sem quaisquer alterações.
Foram interrompidos pelo empregado, que lhes deixou a lista e recomendou o Folhado de Lagosta. Este pequeno momento desviou-lhes a atenção das preocupações- ele segurou a mão dela e apertou-a.
- Gosto de ti, sabes?
- Acho que sim.
- Tronxa!
- Não, tu sabes que isto é complicado, a minha resposta é sentida.
- Claro que não é fácil, para nenhum dos dois. Mas isso não altera o que sinto.
- Olha, agora que falas em cinto, a Haity já está com promoções.
- Ena e agora que falas em promoções, em Janeiro vou ser nomeado director, sabias?
- Xiii, mas olha uma coisa, conheces o gajo que esreveu este texto?
- Epah... acho que não, mas também a ver pela qualidade disto, acho que não quero. É que se não fôssemos actores experientes este filme estava uma merda.
- Podes crer!
Subscribe to:
Posts (Atom)